ARTISTA
Fátima Barros
@FatimaRioPhotos
Após longa carreira na área de tecnologia, passou a se dedicar integralmente à grande paixão da vida: a fotografia. Antes conectada apenas às palavras - poesia e literatura - hoje pensa, respira e vive a poética da imagem.
Teve oportunidade de estudar com alguns mestres, com quem aprendeu a técnica e a concentração necessárias ao registro das emoções humanas através do retrato, das paisagens das nossas cidades, campos, montanhas, mares e estrelas. Mais tarde, entendeu que a fotografia se transforma em arte quando optamos pela criação de um conceito que a ancore, assim como se amplia e se hibridiza na, sempre bem vinda, integração com outras formas de expressão artística.
Hoje, não imagina a vida sem a busca constante pela melhor composição, a expressão mais significativa, ou a melhor luz do dia. Poesia e imagem. Imagem-poesia.
Esse é seu trabalho, que é, também, sua alma.
ATÉ QUE AS ÁGUAS SE AJOELHEM | 2021
ELOGIO À INSIGNIFICÂNCIA
Amo poesia desde que tenho lembrança de mim mesma e fazer esse trabalho foi, para mim, um processo excitante mas também dolorido, como não pode deixar de ser, com incertezas, derrotas e alegrias. Parti da minha própria coleção de insignificâncias, convencida, já há muito tempo, do seu valor e preciosidade. Mas não bastava estar convencida disso, eu precisava convencer o espectador. Então, fiz as melhores imagens dos meus pequenos tesouros e fui buscar na minha velha amiga poesia a expressão complementar da história que queria contar. Tenho exercitado o formato de fotofilme e, depois de filmar a sombra em movimento na floresta, não foi mais possível abandonar a ideia de transformar todo o material em video. Gosto de dizer poesia, mania também que vem desde que meus filhos eram pequenos e eu lia pra eles, olhos marejados, as poesias que eu mais amava. Juntando tudo, nasceu esse trabalho que, se não lograr o objetivo de afetar a todos que o virem, se traduziu como uma janelinha pra minha alma. Já valeu, só por isso. Valeu muito.
As poesias que escrevi para os 3 atos são:
Pequeno Inventário do Nada
Tenho dentro de mim um amor profundo
pelas coisas abandonadas,
aquelas que um dia foram
e se perderam de si
gosto de pensar que dou a elas
um lugar de descanso
um asilo
onde somente coisas esquecidas
e belas
não precisam ter função nenhuma
somente repousar numa caixa
e des-ser
Meu tesouro de nadas
Sinais secretos me mostram onde
se escondem
mensagens cifradas de uma beleza
feita só pra mim
por algumas dessas coisas eu me apaixono
e, nessa paixão, me perco
contemplando a descoberta
de mais um nada precioso
uma borboleta de sementes
que voa e pousa na minha mão
uma concha quebrada
muitas conchas
uma folha vermelha
várias folhas vermelhas
várias folhas
várias flores secas
não servem para mais nada
coisas que não tem mais lugar no mundo
me tocam
deserdados do servir
inúteis
me encantam
São como as plumas
que deixam os pássaros
e, dessa forma,
estão livres para voar.
As sombras da floresta
A luz desenha em tudo
Formas e desformas
Arabescos efêmeros
E móveis
Que, como alguns insetos
Duram apenas algumas horas
Ou minutos
Mas que nem por isso
São menos
Desimportantes
Triviais
Tão naturais que ninguém
Com eles se importa
Eles me importam
E afetam
Eu os coleciono
Com meus olhos
Essas fotografias feitas de luz e sombras
Ao acaso
Ao descaso
Ao ocaso
Das quais quase ninguém faz caso
Aqui o tempo não passa
Perderam-se
Para onde vai minha vida
E quem a leva?
Dizia o poeta
Onde foi parar a alegria
Dia momentos festivos?
Como foi que as memórias
Se desbotaram
Se perderam
Se rasgaram
Quando foi?
Onde foi?
Foi no outono de 83?
Ou foi 85?
Foi no casamento de Maria?
Ou no batizado de João?
Ela ainda vive?
E o filho?
Tão bonitinho ele
Naquele passeio que fizemos juntos
Onde foi parar aquela bolsa?
Onde foi parar aquela alegria?
Onde?
Onde fomos todos parar?
Perderam-se-me